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05 fevereiro 2007

Porque a negação não faz desaparecer a sua existência !


No chão uma mancha de sangue deixa-se escorregar ainda pelo soalho velho daquela casa, aquele tapete de trapos absorve-o como se dele pudesse beber vida – algo que já não existe ali, algo que nunca existiu. Pelo chão, pela mesa, pelas cadeiras, pela casa sente-se o silêncio de uma decisão tomada há muito tempo. Nada a faria voltar atrás, não podia… aquele corpo que expunha violentamente agora aquela mulher desconhecida de unhas sujas e sem conversa, ainda era o seu corpo. Não podia de o deixar de fazer, não podia. Sabia que quanto mais tempo passasse pior e mais difícil seria. Tinha de encontrar uma solução. Não podia falar com a doutora lá do Centro porque ela não a entenderia. Não podia falar com ninguém, sentia sobre si o medo de ter que esconder vários segredos. Já tinha ouvido falar nisto mas sempre pensou que a ela nunca lhe aconteceria. Raios!!! Porque é que tinha que ter sido agora… usava sempre preservativo, foi só uma vez, foda-se! Ainda por cima não tinha sido nada de especial. Tinha de tentar falar com aquela… com a fulana do 3º C, acho que ela já fez uma aqui, faz coisa de um mês?! Não gosto nada dela mas vai ter que ser, espero que ela seja de confiança. Se ela diz alguma coisa também lhe atiro à cara… não é melhor do que eu. Agora já estava deitada e não conseguia deixar de olhar para a mulher que fazia aquilo como se o fizesse todos os dias. Mandou-me abrir as pernas e senti um arrepio, estava a fazer-me qualquer coisa, comecei a sentir-me indisposta mas era com certeza pelo que estava a fazer… que iriam pensar elas se soubessem, logo agora que ia começar a trabalhar na loja do Sr. Santos e preciso tanto daquele dinheiro. Tonta. Sinto-me tonta, a sala começa a rodar e só me apetece gritar… digo-lhe que pare que não me estou a sentir bem, quando tento encontrá-la com o olhar não a vejo. Grito por ajuda mas a televisão está demasiado alta, tento levantar-me e andar mas o mundo não pára de girar em torno de mim. Em direcção à porta vejo a mulher ao telefone, sem me dar tempo de lhe dizer o que seja agarra-me no braço e abrindo a porta da rua sai comigo. Vai-me ajudar, penso eu. Não sei o percurso que faço, nem sequer sei onde estou. Ao fundo da rua ela diz-me que espere pela ambulância, que não pode ficar ali e que eu me cale bem caladinha. Se não disseres nada nem sequer te cobro o dinheiro, está bem. Eles agora ajudam-te, eles já chegam foram as últimas palavras que me lembro de ter ouvido. Acho que perdi os sentidos mas já não sinto dor física nenhuma, só me pergunto porque é que o meu país me faz isto?!
Passados cinco minutos muita gente em volta dela ouve a ambulância chegar. Não sabem o que fazer! O silêncio da sirene ensurdece quem se junta ali à volta para ver o que se passa, impotentes e inactivos nada podem fazer. Os dois médicos saem da ambulância e um diz para o outro: “é a segunda que apanhamos aqui este mês” e o outro responde: “Não vale a pena! Está MORTA!”
(por Pedro Ferreira)

Porque não posso forçar-me ao silêncio perante o sofrimento de tantas mulheres que estão perante uma gravidez indesejada e que não me permite poder ajuda-las ou providenciar ajuda empurrando-as para o aborto clandestino. Porque não sei viver num país onde depois de tudo isto, caso sobreviva, ainda as atira para o banco dos réus.
No próximo dia 11 só tenho uma solução: VOTO SIM !

1 bitaites:

Anónimo disse...

é de casos destes que é feito o aborto clandestino. e é mesmo, caramba!
quero ler sobre um que inclua acompanhamento, aconselhamento e bons procedimentos cirúrgicos, caramba!