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06 abril 2009

Tambores na noite (do Porto) com Brecht


O soldado Kragler regressa da guerra para o reencontro com Anna. Mas ela cansara-se de esperar e festejava o anúncio do casamento Friedrich Murk. Murk tornara-se próspero, vindo do nada, ao contrário do soldado, sem um vintém. Aos olhos dos pais de Anna, esta deveria renunciar à imagem de Kragler. "Já morreu e está enterrado há muito", dizia mais o pai que a mãe, com esta subjugada aquele.
Tudo muda quando Kragler regressa quatro anos depois da partida, ele que estivera prisioneiro em África. Consegue abalar as convicções de Anna, dividida entre o passado já longínquo e o presente. A argumentação entre os pais de Anna e Murk por um lado e o soldado por outro ocupam lugar central na peça de Brecht. Como pano de fundo social, a revolta de Rosa Luxemburgo e dos seus espartaquistas, mentores de uma nova sociedade, a comunista, na Berlim saída recentemente da Primeira Guerra Mundial, em que a Alemanha perdera.

Foi uma das primeiras peças de Brecht, que ele quis retirar depois das suas obras completas, por considerar ser imatura. Ele tinha pouco mais de vinte anos e ficara admirado com o sucesso de Tambores na Noite, peça estreada em 1922. Escreveu: "Esta peça foi representada em cerca de 50 palcos burgueses. O sucesso foi grande e apenas provou que eu tinha batido à porta errada". E, mais à frente, continua: "Esta revolução [a dos espartaquistas] seguiu-se a uma guerra que rebentara por causa do esgotamento nervoso dos diplomatas e que terminara por causa do esgotamento nervoso dos militares".
A partir de 1974, Brecht é encenado regularmente em Portugal. Tambores na Noite foi levado à cena em 1976 pela Cornucópia. O autor alemão foi também representado nos palcos do Teatro Aberto (inaugurado com O Círculo de Giz Caucasiano, de Brecht), D. Maria, Comuna. Quando estava a escrever Tambores na Noite, o autor estava dividido. No seu diário de 23 de Agosto de 1920, escreveu: "Estive a ditar Tambores na Noite. O terceiro acto está bem, à excepção de alguns detalhes. O quarto, um bastardo, um bócio, uma planta que se transformou num matagal. Foi uma noite de balanços". Essa divisão era ainda mais nítida na vida sentimental de Brecht, a balancear entre Bi (Paula Banholzer, mãe do seu filho Frank) e Hedda Kuhn. Sem falar em Anni Bauer, de quem escreve: "Certa vez, , Anni Bauer aparece no atelier, à noite, bebemos schnaps debaixo do candeeiro veneziano, dedilho as cordas do violino, beijo-a, torno-me ousado, mas ela cheira a rapariga pobre, e mando-a de volta para casa. Tenho medo também da gonorreia".
Talvez, por influência sentimental, a peça mostre, além de uma burguesia amedrontada pelos conflitos internos, expressa pela postura do casal Balicke, a fraqueza das mulheres, sempre maltratadas nas relações com os homens: prostitutas, uma esposa submissa, uma filha procurando romper com a tradição mas incapaz de fazer a ruptura.

A peça, agora em cena no teatro de S. João, no Porto, é dirigida por Nuno Carinhas, indigitado para substituir Ricardo Pais à frente do teatro. Os actores das personagens principais são Emília Silvestre, Sara Carinhas, Pedro Almendra, Jorge Mota e Paulo Freixinho. O jornal "Manual de Leitura" traz textos importantes de Cláudia Fischer, a tradutora da obra, Rui Bebiano, João Barrento, António Guerreiro e Walter Benjamin, entre outros.

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