Vale a pena ler o livro Áudio Culture do C. Cox e Daniel Warner, não sendo possível, este excerto é uma excelente peça de análise musical sobre o fenómeno dos Dj's e de como a sua importância no meio tem revolucionado a própria música.
O termo “Cultura DJ” surgiu nos anos 90 como um meio de descrever uma gama de músicas centradas na figura do DJ como artista: disco, HipHop, House, Techno, drum ‘n’ bass e outras formas musicais. De um modo mais amplo, o termo descreve o domínio musical único tornado possível pela cultura da gravação, uma cultura na qual música e som circulam como uma rede de entidades gravadas, separadas da especificidade do tempo, lugar e autoria, tudo disponível para tornar-se a matéria prima da arte do DJ.
Como um conjunto de estilos musicais, a cultura DJ é quintessencialmente pós-moderna, surgindo nos anos 70 com o disco mix, as distorções do dub reggae e o nascimento do HipHop. Mas no sentido mais amplo, suas raízes são muito mais profundas: encontram-se na história do modernismo do século XX. No início dos anos 20, o escultor Bauhaus, fotógrafo e pintor László Moholy-Nagy já tinha imaginado o détournement do toca-discos, sua transformação de um instrumento de reprodução musical em um instrumento musical em si mesmo. Nos anos 30, John Cage, Paul Hindemith e Ernst Toch começaram a dar vida às visões de Moholy-Nagy. Em seu primeiro estudo para o gramofone, “Imaginary Landscape, No. 1”, Cage manipulava toca-discos de velocidades variáveis e gravações de estúdio a fim de produzir uma mistura fantasmagórica de sirenes, sons de cordas de piano e barulho de percussão. Pierre Schaeffer é, sem dúvida, o padrinho da composição por samplers. Trabalhando com discos de fonógrafo nos anos 40, as composições de Schaeffer eram formadas por pedacinhos de sons editados. Através de seus loops rítmicos e justa posições de assobios de trem, sons de freios e sons mecânicos de metais batendo uns nos outros, a primeira composição de Schaeffer de musique concrète “Étude aux chemins de fer” (Estudo sobre a ferrovia), antecipa o HipHop e a música electrónica. No início dos anos 60, William S. Burroughs tornou-se um DJ do mundo, ao usar técnicas de manipulação de fita para cortar, colar e dividir sua própria voz em camadas.
A partir de Schaeffer, a Cultura DJ tem trabalhado com dois conceitos básicos: cortar e o mix. Gravar é cortar, separar o significador sônico (a amostra ou sample) do seu contexto e significado original, de modo que fique livre para ser realizado de outra maneira. O mix é o ato de reinscrever, colocar a amostra solta numa nova cadeia de significação. O mix é o momento pós-moderno, no qual os sons mais diversos podem ser colados juntos num contínuo. É exemplificado por músicas contínuas: disco, House, Techno. Mas o mix é possível por causa do corte, aquele momento modernista no qual o som é removido e pode tornar-se algo mais, ou é quebrado de modo que possa “passear” ou “tropeçar” em volta de um pulso (beat). Suas formas são o HipHop (particularmente a manipulação dos toca-discos), dub, drum ‘n’ bass e experimentalismos contemporâneos por DJs como Christian Marclay, Philip Jeck, Marina Rosenfeld e Erik M.
A Cultura DJ também descreve uma nova modalidade de história e memória auditiva. A história musical não é mais uma figura de continuidade linear que, idealmente, poderia ser invocada em sua totalidade. Pelo contrário, a história musical torna-se uma rede de segmentos móveis disponíveis a qualquer momento para serem inscritos e reinscritos em novas linhas, textos e mixes. Em suma, a história musical não é mais um rolo análogo, mas acesso digital e aleatório.
“A batalha pelo futuro imediato da música será travada através do meio da gravação” observou Chris Cutler num texto que anteviu a controvérsia Napster, décadas antes que esta acontecesse. Escrevendo em 1982 a respeito da cultura da gravação em geral, o artigo de Cutler pode ser lido como um manifesto da Cultura DJ. Para Cutler, o cortar e o mix tornam possível uma música profundamente igualitária. Não apenas o mundo sonoro total torna-se disponível para o uso musical; Cutler também imagina que a cultura da gravação permite as condições para uma nova música folclórica: um processo de produção musical coletivo e sem autoria, que é fluido e está sempre em mutação. Para Burroughs, a cultura da gravação não é apenas politicamente liberalizante, mas também é de resistência política. Ela oferece uma maneira de ouvir criticamente as vozes da cultura dominante e oferece meios para alterá-la e subverter significados estabelecidos. Hoje, pode-se encontrar quem defenda as duas posições políticas: por um lado, na imaginação liberatória da cultura rave; e por outro, nas práticas antinômicas de Negativland e John Oswald. Qualquer que seja a posição, a Cultura DJ claramente marca um espaço cultural fundamentalmente novo. Ela alterou a própria natureza da produção musical, abriu novos canais para a disseminação da música, e activou novos modos de ouvir. Não é de todo surpreendente, então, que a Cultura DJ incentivou novas práticas sociais e opera nas linhas de frente da política cultural.
O termo “Cultura DJ” surgiu nos anos 90 como um meio de descrever uma gama de músicas centradas na figura do DJ como artista: disco, HipHop, House, Techno, drum ‘n’ bass e outras formas musicais. De um modo mais amplo, o termo descreve o domínio musical único tornado possível pela cultura da gravação, uma cultura na qual música e som circulam como uma rede de entidades gravadas, separadas da especificidade do tempo, lugar e autoria, tudo disponível para tornar-se a matéria prima da arte do DJ.
Como um conjunto de estilos musicais, a cultura DJ é quintessencialmente pós-moderna, surgindo nos anos 70 com o disco mix, as distorções do dub reggae e o nascimento do HipHop. Mas no sentido mais amplo, suas raízes são muito mais profundas: encontram-se na história do modernismo do século XX. No início dos anos 20, o escultor Bauhaus, fotógrafo e pintor László Moholy-Nagy já tinha imaginado o détournement do toca-discos, sua transformação de um instrumento de reprodução musical em um instrumento musical em si mesmo. Nos anos 30, John Cage, Paul Hindemith e Ernst Toch começaram a dar vida às visões de Moholy-Nagy. Em seu primeiro estudo para o gramofone, “Imaginary Landscape, No. 1”, Cage manipulava toca-discos de velocidades variáveis e gravações de estúdio a fim de produzir uma mistura fantasmagórica de sirenes, sons de cordas de piano e barulho de percussão. Pierre Schaeffer é, sem dúvida, o padrinho da composição por samplers. Trabalhando com discos de fonógrafo nos anos 40, as composições de Schaeffer eram formadas por pedacinhos de sons editados. Através de seus loops rítmicos e justa posições de assobios de trem, sons de freios e sons mecânicos de metais batendo uns nos outros, a primeira composição de Schaeffer de musique concrète “Étude aux chemins de fer” (Estudo sobre a ferrovia), antecipa o HipHop e a música electrónica. No início dos anos 60, William S. Burroughs tornou-se um DJ do mundo, ao usar técnicas de manipulação de fita para cortar, colar e dividir sua própria voz em camadas.
A partir de Schaeffer, a Cultura DJ tem trabalhado com dois conceitos básicos: cortar e o mix. Gravar é cortar, separar o significador sônico (a amostra ou sample) do seu contexto e significado original, de modo que fique livre para ser realizado de outra maneira. O mix é o ato de reinscrever, colocar a amostra solta numa nova cadeia de significação. O mix é o momento pós-moderno, no qual os sons mais diversos podem ser colados juntos num contínuo. É exemplificado por músicas contínuas: disco, House, Techno. Mas o mix é possível por causa do corte, aquele momento modernista no qual o som é removido e pode tornar-se algo mais, ou é quebrado de modo que possa “passear” ou “tropeçar” em volta de um pulso (beat). Suas formas são o HipHop (particularmente a manipulação dos toca-discos), dub, drum ‘n’ bass e experimentalismos contemporâneos por DJs como Christian Marclay, Philip Jeck, Marina Rosenfeld e Erik M.
A Cultura DJ também descreve uma nova modalidade de história e memória auditiva. A história musical não é mais uma figura de continuidade linear que, idealmente, poderia ser invocada em sua totalidade. Pelo contrário, a história musical torna-se uma rede de segmentos móveis disponíveis a qualquer momento para serem inscritos e reinscritos em novas linhas, textos e mixes. Em suma, a história musical não é mais um rolo análogo, mas acesso digital e aleatório.
“A batalha pelo futuro imediato da música será travada através do meio da gravação” observou Chris Cutler num texto que anteviu a controvérsia Napster, décadas antes que esta acontecesse. Escrevendo em 1982 a respeito da cultura da gravação em geral, o artigo de Cutler pode ser lido como um manifesto da Cultura DJ. Para Cutler, o cortar e o mix tornam possível uma música profundamente igualitária. Não apenas o mundo sonoro total torna-se disponível para o uso musical; Cutler também imagina que a cultura da gravação permite as condições para uma nova música folclórica: um processo de produção musical coletivo e sem autoria, que é fluido e está sempre em mutação. Para Burroughs, a cultura da gravação não é apenas politicamente liberalizante, mas também é de resistência política. Ela oferece uma maneira de ouvir criticamente as vozes da cultura dominante e oferece meios para alterá-la e subverter significados estabelecidos. Hoje, pode-se encontrar quem defenda as duas posições políticas: por um lado, na imaginação liberatória da cultura rave; e por outro, nas práticas antinômicas de Negativland e John Oswald. Qualquer que seja a posição, a Cultura DJ claramente marca um espaço cultural fundamentalmente novo. Ela alterou a própria natureza da produção musical, abriu novos canais para a disseminação da música, e activou novos modos de ouvir. Não é de todo surpreendente, então, que a Cultura DJ incentivou novas práticas sociais e opera nas linhas de frente da política cultural.
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