Deviam ter sido também assim as faixas e as inscrições nas barrigas que pulularam pelos media... senão vejam o artigo da Fernanda Câncio do DN do dia 16 de Novembro:
Imagine que, sendo mulher, deseja laquear as trompas. Ou que, sendo homem, quer fazer uma vasectomia. Lá terá as suas razões, sejam elas quais forem, e dirige-se a um médico competente para a dita operação. Não se surpreenda, no entanto, se este lhe fizer saber que para proceder à cirurgia tem de lhe fazer prova da autorização do seu cônjuge. Acha estranho? Acha inaceitável? Inconstitucional? Ilegítimo? Ridículo? Antiético? Pois este requisito está claramente plasmado no número 3 do artigo 54.º do Código Deontológico dos médicos portugueses: "A esterilização reversível é permitida perante situações que objectivamente a justifiquem, e precedendo sempre o consentimento expresso do esterilizado e do respectivo cônjuge, quando casado."
Todo um programa, este artigo 54º. Num código em que se frisa o dever da confidencialidade e o de "respeitar escrupulosamente as opções religiosas, filosóficas ou ideológicas e os interesses legítimos do doente", determina-se que se exija a um paciente autorização de outra pessoa para tomar uma decisão fundamental sobre a sua saúde e a sua vida. Mais: assume-se que é ao médico, não à pessoa que quer ser esterilizada, que compete ajuizar sobre a justiça das justificações.
Mas o mais extraordinário nesta disposição não é ter sido formulada em 1985, quando surgiria já claramente desfasada, não só da conjuntura jurídica como da social; nem sequer o arbitraríssimo poder que confere aos médicos sobre os pacientes e as suas decisões (infelizmente, nada disso espanta); nem tão-pouco o não ter sido até hoje alvo de qualquer reparo ou protesto, quer por clínicos quer por outrem, ou ser única, em todo o código, já que em mais nenhum caso se estabelece a necessidade de incluir outras pessoas na relação entre médico e paciente adulto - note-se que nem no caso de diagnóstico de doença contagiosa e mortal o código permite o quebrar da confidencialidade. Não: o mais extraordinário é que esta disposição tão, digamos, especial é ignorada, por exemplo, pelo presidente do Colégio de Obstetrícia e Ginecologia da Ordem dos Médicos. "Confesso que não sabia que isso lá estava", diz Luís Graça, que certifica ter já feito "centenas de laqueações de trompas".
Quando são os próprios médicos a ignorar e desconsiderar o seu próprio código - quer por não o respeitarem na prática e na ética, quer por permitirem que tenha disposições ilegais e inconstitucionais, quer por se recusarem a debater e sanar essa desconformidade -, talvez não faça sentido que se escandalizem se outros lhes exigem, pelos meios ao dispor, que façam o que deve ser feito. É uma intromissão no foro privado da classe? Talvez. Mas até isso, a ser verdade, seria justiça poética.
Imagine que, sendo mulher, deseja laquear as trompas. Ou que, sendo homem, quer fazer uma vasectomia. Lá terá as suas razões, sejam elas quais forem, e dirige-se a um médico competente para a dita operação. Não se surpreenda, no entanto, se este lhe fizer saber que para proceder à cirurgia tem de lhe fazer prova da autorização do seu cônjuge. Acha estranho? Acha inaceitável? Inconstitucional? Ilegítimo? Ridículo? Antiético? Pois este requisito está claramente plasmado no número 3 do artigo 54.º do Código Deontológico dos médicos portugueses: "A esterilização reversível é permitida perante situações que objectivamente a justifiquem, e precedendo sempre o consentimento expresso do esterilizado e do respectivo cônjuge, quando casado."
Todo um programa, este artigo 54º. Num código em que se frisa o dever da confidencialidade e o de "respeitar escrupulosamente as opções religiosas, filosóficas ou ideológicas e os interesses legítimos do doente", determina-se que se exija a um paciente autorização de outra pessoa para tomar uma decisão fundamental sobre a sua saúde e a sua vida. Mais: assume-se que é ao médico, não à pessoa que quer ser esterilizada, que compete ajuizar sobre a justiça das justificações.
Mas o mais extraordinário nesta disposição não é ter sido formulada em 1985, quando surgiria já claramente desfasada, não só da conjuntura jurídica como da social; nem sequer o arbitraríssimo poder que confere aos médicos sobre os pacientes e as suas decisões (infelizmente, nada disso espanta); nem tão-pouco o não ter sido até hoje alvo de qualquer reparo ou protesto, quer por clínicos quer por outrem, ou ser única, em todo o código, já que em mais nenhum caso se estabelece a necessidade de incluir outras pessoas na relação entre médico e paciente adulto - note-se que nem no caso de diagnóstico de doença contagiosa e mortal o código permite o quebrar da confidencialidade. Não: o mais extraordinário é que esta disposição tão, digamos, especial é ignorada, por exemplo, pelo presidente do Colégio de Obstetrícia e Ginecologia da Ordem dos Médicos. "Confesso que não sabia que isso lá estava", diz Luís Graça, que certifica ter já feito "centenas de laqueações de trompas".
Quando são os próprios médicos a ignorar e desconsiderar o seu próprio código - quer por não o respeitarem na prática e na ética, quer por permitirem que tenha disposições ilegais e inconstitucionais, quer por se recusarem a debater e sanar essa desconformidade -, talvez não faça sentido que se escandalizem se outros lhes exigem, pelos meios ao dispor, que façam o que deve ser feito. É uma intromissão no foro privado da classe? Talvez. Mas até isso, a ser verdade, seria justiça poética.
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